Notícia Renascença – “Se não fosse a Cáritas, não sobrevivia”. O enceramento de estabelecimentos e o desemprego são a principal causa que leva as famílias a uma situação de carência.
“Se não fosse a Cáritas, não sobrevivia”. A fome bateu à porta de Maria
Desde o início da pandemia, mais do que duplicaram os pedidos de ajuda na Cáritas Diocesana de Vila Real. O enceramento de estabelecimentos e o desemprego são a principal causa que leva as famílias a uma situação de carência.
A pandemia trocou as voltas a esta mãe com 42 anos, dois filhos de 10 e 19 anos. Maria, nome fictício, foi obrigada a fechar as portas do seu estabelecimento de serviços na área da beleza e cuidados pessoais e os problemas começaram a avolumar-se. Não lhe restou outra alternativa. Teve de bater à porta da Cáritas de Vila Real.
“Não estou a trabalhar, tenho o estabelecimento fechado. Tenho recebido apoio da Cáritas, que me dá alimentos, a medicação para os meninos, porque a minha filha tem uma depressão e o menino tem problemas de alergias. Não há dinheiro para pagar as faturas no fim do mês, não tenho ninguém que me ajude, a não ser a Cáritas”, diz à Renascença.
Tem as contas de água, eletricidade e internet em atraso desde março, há praticamente um ano. “É muito complicado. São momentos duros e muito difíceis, muito complicados”, desabafa, acrescentando que nem sabe “como chegar ao fim do mês”.
“É todo o mês a pensar como vamos conseguir viver. Se não fosse a Cáritas, não podia sobreviver. Não tinha medicação para os meus filhos nem para mim. Comida também não”, acrescenta, revelando que houve já momentos em que passou fome.
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A história de João. “Estamos todos desempregados”
José Costa tem 25 anos e um agregado familiar com cinco pessoas. Vive com a esposa, o filho de um ano e quatro meses, um irmão e uma cunhada. Estão todos desempregados. Apenas o irmão leva algum dinheiro para casa no final do mês. Trabalha à comissão em uma empresa de telecomunicações e não tem uma remuneração fixa.
“Estamos todos desempregados, tirando o meu irmão que está a trabalhar, mas trabalha para uma empresa de telecomunicações, mas como se sabe, não é nada certo, tanto pode receber 200 como 300 euros”, relata.
A família vivia e trabalhava na restauração no Algarve. Quando a situação se começou a complicar para o setor, mudaram-se Vila Real, com a promessa de trabalho garantido.
“Entretanto a coisa não correu bem. O trabalho da minha mulher começou a pagar menos. Depois mandaram-na para casa sem pagar o ordenado e ficámos numa situação bastante complicada. Eu também teria um trabalho garantido aqui, quando chegasse, e esse trabalho já não existia”, conta à Renascença.
“E pronto, comecei a trabalhar nas obras porque não havia mais nada. Mas também isso acabou. Agora estamos todos à procura de trabalho. É uma situação complicada”, desabafa.
Questionado sobre como gere a situação, José Costa hesita porque sente que, num contexto tão complicado, tem “tido muita sorte”. “[Temos tido] algumas ajudas caídas do céu, porque se não fossem essas pessoas, neste momento eu estaria a passar fome”, responde.
A família chegou a “passar mesmo muito, muito mal”, diz José que, após a informação de uma pessoa que também estava a passar por dificuldades, resolveu bater à porta da Cáritas de Vila Real, para pedir ajuda e a resposta foi imediata.
“Já recebi por três vezes vales para comprar comida. Das duas primeiras vezes foram vales de 60 euros e da última de 50 euros”, conta, acrescentando que se trata de “uma ajuda gigante” para se orientarem.
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“Eu nunca pensei que chegasse a esta situação, sou sincero, até porque sempre trabalhei a minha vida toda. Desde os 19 anos que estou a trabalhar e nunca estive numa situação parecida a isto. Portanto, isso para mim é completamente novo. Eu nunca estive no fundo de desemprego, nunca estive mais de um mês sem trabalho, é muito complicado”, remata.
Mónica chegou à Cáritas com ordem de despejo
Mónica Mendes tem 30 anos, quatro filhos e mais um a caminho. Proprietária de um restaurante que, embora não tenha encerrado – está a servir para fora -, viu os seus rendimentos descerem a pique. À falta de outras soluções, resolveu pedir ajuda à Cáritas de Vila Real.
“Eu vim aqui, através de uma colega minha. Ela indicou-me, porque estava a ter algumas necessidades. Eu tenho quatro crianças, são todos pequeninos, tenho uma de nove, tenho um de oito, tenho uma de seis, tenho um de três e vem outra a caminho. E, então, já estava a ter problemas com a renda da casa. Vim aqui pedir ajuda, porque já não conseguia mais, já não via caminho nenhum para onde me orientar”, descreve.
Diz que no restaurante que mantém com o marido serve “três refeições, quatro, cinco [refeições em ‘take-away’], às vezes nenhuma”. “O que fazemos hoje é para comprar amanhã e para governar os pequeninos”.
“Nunca pensei vir a esta casa, mas estou muito contente com o que estão a fazer por mim. E só tenho a agradecer, muito obrigada. Já estou mais calma, andava muito nervosa, muito deprimida, a situação também me estava a causar problemas na gravidez, mas, agora, já vou mais calma”, realça Mónica.
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As rendas em atraso, quer da habitação, quer do restaurante, aproximadamente 1.700 euros, foram liquidadas com a ajuda da Cáritas e da autarquia de Vila Real, mas o processo, assinala Mónica, “foi todo tratado aqui”.
A instituição da Igreja também providenciou roupa e material escolar para as crianças e em breve vai disponibilizar produtos alimentares para a família.
“Se não fosse esta ajuda..não sei o que é que eu teria feito. Já consigo dormir, coisa que já não conseguia”, diz Mónica Mendes, não poupando nos elogios aos técnicos da Cáritas que “têm mesmo vontade de ajudar, que estão aqui para apoiar, seja para ajudar a fazer as coisas, seja para ouvir”.
Pedidos duplicam e ajuda segue o mesmo caminho
Carlos Martins, vice-presidente da Cáritas Diocesana de Vila Real, observa à Renascença que “desde o início da pandemia, ou seja, desde março passado até agora, os pedidos de ajuda mais do que duplicaram e a resposta a estes pedidos também duplicou, em consonância com os pedidos”.
À porta da Cáritas batem essencialmente as pessoas carenciadas, maioritariamente, pessoas com uma média de idades entre os 35 a 40 anos, que ficaram desempregadas e estão à procura de emprego e não têm como fazer face às necessidades do dia a dia.
“É para isso que nós cá estamos, para ajudar as famílias carenciadas. Nestes últimos tempos, as pessoas que nos procuram são maioritariamente pessoas que ficaram em situação de desemprego, é o principal flagelo deste momento – são as situações de desemprego e a perda de rendimentos provocada pela situação de desemprego”, adianta o vice-presidente da Cáritas.
Antes da crise pandémica, a instituição da Igreja acompanhava mensalmente uma média de mil agregados familiares. Neste momento, o número subiu para as 1.300 famílias.
De acordo com Carlos Martins, os pedidos de ajuda não param de chegar e são, sobretudo, “para alimentação, pagamento de rendas em atraso, depois para despesas de água, gás e eletricidade e também bastantes pedidos de apoio para a medicação”.
E aqui o vice-presidente da Cáritas de Vila Real respira fundo, antes de revelar uma grande preocupação da instituição e que se prende com crescente aumento de pedidos de ajuda para a medicação das crianças.
“Esta situação leva-nos a ficar aqui bastante apreensivos porque, quando as famílias já não têm para comprar a própria medicação dos filhos, isto tem que nos deixar preocupados e até aflitos”, afirma Carlos Martins.